Quando finalmente cheguei ao ponto, vi uma criança sentada comendo chocolate ao lado da mãe. Ela parecia estar passando frio, porque estava sem blusa e o vento era muito forte; apesar disso, acho que estava feliz. Sentei ao lado dela, embora eu estivesse mal-humorada e sem vontade de puxar assunto. Depois de uns minutos, a mãe dela anunciou que ia comprar uma água e pediu que ela esperasse ali, sentada. Quando a mãe finalmente saiu, ela olhou para mim e disse:
“Quer? Minha mãe fala que é bom para acordar, que a cafeína ajuda”.
“Não”, eu respondi, seca.
“Você está bem? Parece que está chateada com algo”. Ela parecia ler meus pensamentos. “Come o chocolate, vai fazer bem”. Ela sorriu e depois acrescentou: “mas não deixa mamãe saber, porque não é sempre que ela tem dinheiro para comprar um para mim. Ela trabalha muito, e meus irmãos também, mas a gente só consegue o básico. Acho que isso aconteceu depois que a vovó foi para o hospital. Ela precisa de tratamento e o convênio não cobre, então a gente tem que tirar do nosso bolso. Também tentamos o hospital público, mas não tem vaga. Mamãe faria tudo pela vovó Nanda”.
De súbito, eu me senti muito mal. A criança retratava momentos complicados que estava vivendo, mas mesmo assim enfrentava tudo com leveza. Meus problemas eram muito menores do que aqueles e eu os transformava em tempestade em copo d’água. Ainda assim, perguntei:
“Como você se sente?”.
“Não fico triste. Vovó vai sair dessa. O pior é ver minha mãe chorar às vezes, mas depois eu converso com ela e a gente brinca, então ela se anima de novo”.
Quando ela terminou de falar, percebi que meu ônibus estava chegando.
“Você vai ficar bem aí?” .
Ela fez que sim com a cabeça. Desejei que sua avó melhorasse e afirmei que tudo ia ficar bem sim. Também prometi para mim que ia relaxar e seguir. Nós nunca sabemos exatamente o que se passa com o outro e com qual intensidade. Não é justo que julguemos as ações deles com nossas experiências. Então, não seria justo que eu julgasse e transformasse as atitudes dos outros em problemas meus, porque todo mundo, todos os dias, faz escolhas. Naquele momento, eu tinha escolhido ter força de vontade e começar de novo.
Texto publicado pela primeira vez em 18/05/16 e atualizado em 16/05/17.
Texto publicado pela primeira vez em 18/05/16 e atualizado em 16/05/17.